Muito antes das especiarias se tornarem itens comuns nas cozinhas do mundo, elas já haviam causado expedições perigosas, guerras sangrentas, alianças inesperadas e revoluções comerciais. A busca por ingredientes como pimenta-do-reino, cravo-da-índia, canela, gengibre, noz-moscada, anis-estrelado e açafrão desenhou mapas, criou impérios e alterou o curso da história.
Especiarias: mais do que sabor, uma febre global
Hoje, quando falamos em especiarias, pensamos em aromas agradáveis e sabores marcantes. Mas durante muitos séculos, esses ingredientes foram sinônimo de luxo, poder e prestígio. Além de intensificar o gosto dos alimentos, também serviam para conservar carnes e remédios — ou mesmo esconder o gosto de alimentos deteriorados.
Entre todas, a pimenta-do-reino era a mais valorizada. No século IV a.C., Alexandre, o Grande, chegou à Índia e trouxe a pimenta para os gregos. Décadas depois, um navegador grego chamado Hipélio percebeu o funcionamento dos ventos de monção no Oceano Índico. Ele descobriu que, por seis meses, os ventos sopravam de oeste para leste, facilitando a viagem para a Índia, e nos seis seguintes, sopravam na direção contrária, permitindo o retorno à Europa.
Isso mudou tudo: pela primeira vez, era possível navegar direto até o coração das especiarias sem seguir a perigosa rota costeira árabe.
No século I d.C., o naturalista romano Plínio, o Velho, registrou em sua enciclopédia que a pimenta valia literalmente o seu peso em ouro. Em Roma, ela chegou a ser usada para quitar tributos — tamanha era sua importância.
A força dos árabes, o domínio de Veneza
As Cruzadas colocaram o Ocidente em contato direto com o Oriente, reacendendo a demanda por produtos exóticos. As caravanas árabes atravessavam o deserto com camelos e dromedários, levando especiarias por rotas que cortavam o Oriente Médio até cidades como Alepo, Cairo e Alexandria.
Do lado europeu, os comerciantes venezianos consolidaram sua supremacia comercial após longas disputas com Gênova e Bizâncio. Veneza se transformou numa república mercantil poderosa, com estaleiros ativos e uma frota naval dominante. Os navios venezianos buscavam especiarias em Alexandria e voltavam com carregamentos que valiam fortunas.
Além do mercado de especiarias, também controlavam o comércio de sal e trigo. Mas esse domínio começou a ruir com a ascensão do Império Árabe, que conquistou Alexandria em 642 e passou a controlar os fluxos comerciais.
Uma busca desesperada pelos sabores perdidos
Com o acesso às especiarias cada vez mais restrito e os preços nas alturas, europeus começaram a procurar rotas alternativas para alcançar a Índia. Esse desejo de acesso direto aos tesouros aromáticos do Oriente foi o motor das grandes explorações marítimas.
Marco Polo foi um dos primeiros a relatar, em detalhes, suas viagens à China. Sua obra, escrita entre 1295 e 1298, descreve um percurso impressionante que inspirou exploradores por séculos.
Quando Constantinopla caiu nas mãos dos turcos em 1453, três nações decidiram se lançar ao mar para alcançar as Índias: Itália, Portugal e Espanha.
Os portugueses abriram o caminho em 1488, ao contornar o extremo sul da África pelo Cabo da Boa Esperança. Vasco da Gama chegou à Índia em 1498, marcando o início de um novo ciclo comercial. Os portugueses dominaram as rotas orientais até o Japão durante mais de um século. Nesse período, especiarias como pimenta-do-reino, anis-estrelado, gengibre e açafrão eram itens de altíssimo valor.
O Novo Mundo e o monopólio das especiarias
Cristóvão Colombo, originário de Gênova, tentou convencer os reis portugueses a financiar uma viagem rumo ao Oeste para chegar às Índias. Como teve a proposta recusada, recorreu aos reis católicos da Espanha, que apoiaram sua jornada.
Entre 1492 e 1493, Colombo realizou sua primeira travessia, com uma breve parada nas Canárias. Retornou com o pimentão americano, a única “especiaria” que trouxe em sua viagem inaugural.
No total, realizou quatro viagens e foi nomeado vice-rei das Índias, sem jamais saber que havia descoberto um novo continente.
O domínio português sobre o Oceano Índico durou 100 anos, até ser superado pelos holandeses. A partir de 1605, os Países Baixos tomaram o controle das rotas marítimas e, com mão de ferro, afundavam navios rivais e promoviam massacres para manter o monopólio da noz-moscada e do cravo.
Na ilha de Banda, dizimaram populações inteiras. Em Amboína, em 1623, fizeram o mesmo para garantir a posse do cravo — primeiro contra os ingleses, depois contra os franceses em 1672, quando se tratava da canela.
A entrada da França no jogo das especiarias
A primeira tentativa francesa data de 1529, sob o comando de Jean d’Ango. Dois navios — Le Sacre e La Pensée — partiram de Dieppe rumo a Sumatra, liderados pelos irmãos Parmentier. Poucos sobreviventes voltaram, com apenas alguns barris de pimenta-do-reino.
Só no século XVII a França voltou a insistir. Uma nova frota, sob a liderança de Pronis, tentou estabelecer entrepostos em Madagascar. Foi um fracasso.
Em 1648, o médico Flacourt foi nomeado diretor da colônia. Durante 10 anos, tentou organizar a presença francesa na ilha. Retornou à França com um herbário (ainda hoje conservado em Paris) e um mapa da Ilha Bourbon (atual Reunião). Ao tentar voltar ao Oriente, foi morto por piratas africanos em 1660.
A Companhia Francesa das Índias Orientais foi encerrada em 1661, mas Jean-Baptiste Colbert percebeu a importância de ter presença naval. Ele ordenou o plantio de carvalhos para construir navios e criou duas novas companhias — das Índias Ocidentais e Orientais — em 1664, com sede em Lorient.
A partir daí, a França fundou importantes entrepostos na Índia: Pondichéry, Chandernagor, Yanaon, Karikal e Mahé. Esses territórios permaneceram sob domínio francês até 1949, mesmo depois da extinção da companhia em 1793.
A aposta francesa na Ilha de França (Maurício)
Em 1715, os franceses tomaram posse da Ilha de França, atual Maurício, abandonada pelos holandeses cinco anos antes. A ilha era fértil, estratégica e promissora.
Em 1752, a Companhia das Índias recrutou o botânico Jean-Baptiste Aublet para criar um jardim botânico que fornecesse alimentos e plantas medicinais para os navios.
Formado em Montpellier e Paris, discípulo de Bernard de Jussieu, Aublet passou nove anos na ilha.
Pouco tempo depois, a companhia contratou o missionário Pierre Poivre, com a missão ousada de trazer mudas de especiarias para cultivá-las em solo francês. Entre 1748 e 1757, ele viajou pela China e pelas ilhas Molucas, perdeu um braço em combate e, ainda assim, conseguiu trazer mudas de noz-moscada e canela das Filipinas.
Aublet, porém, duvidava da autenticidade das plantas e elas não sobreviveram. A tensão entre os dois levou à retirada de ambos. Aublet foi enviado à Guiana Francesa, onde realizou o primeiro inventário botânico do território.
Pierre Poivre e o jardim que mudou a história
Mesmo com os fracassos iniciais, Poivre não desistiu. Retornou a Maurício em 1767 como Intendente. Sem o monopólio da Companhia das Índias, havia liberdade para experimentar.
Em 1770, ele introduziu com sucesso três especiarias fundamentais — noz-moscada, canela e cravo-da-índia — no Jardim dos Pamplemousses, que havia comprado.
O jardim virou um polo de disseminação de mudas para Madagascar, Antilhas, Polinésia e Guiana. Em 1778, ele voltou para a França, mas deixou sucessores como Céré, que transformaram o jardim em um dos mais importantes do mundo.
Na Valere Spices, cada especiaria carrega séculos de conquistas, batalhas e curiosidade humana. Quando você tempera um prato, está saboreando o mundo.